domingo, 19 de setembro de 2010

SINOPSE – O PERCEVEJO - V. Maiakovski

Não apenas “O percevejo” é a melhor peça de Vladímir Maiakóvski ( 1893-1930), conforme diz Boris Schnaiderman no pósfácio a esta edição da editora 34 que retoma o texto de 1980 - não o roteiro da peça levado aos palcos brasileiros em 1981 (Rio) e em 1983 (São Paulo) , mas o original, traduzido e em parte adaptado por Luís Antonio Martinez Corrêa e cotejado com o original russo por Boris, que inseriu alguns pequenos trechos - , como também ele conserva imutados , na tradução, o espírito, a vivacidade de tom e a atualidade originais.
O próprio Maiakóvski fez questão de apresentar, num texto chamado “ Sobre o Percevejo” e divulgado na imprensa, a “comédia que é publicitária, tendenciosa e dedicada a um problema” antes que ela estreasse, em 1929.
Na seqüência-resumo das nove cenas que ele fornece e que sintetizamos (resumo este, também, propositalmente tendencioso, conforme o leitor terá ocasião de ver, confrontando a peça com sua própria interpretação), já dá para desconfiar de que problema se trate.
Prissípkin, ex-operário, ex-membro do partido, ex-amante da operária Zoia Beriózkina, muda seu nome para o mais melodioso Skrípkin ( de skripka , violino), para se casar com a manicure Elzevira, filha de Rosália Pávlovna Renaissance, cabeleireira enriquecida durante o período da Nova Política Econômica, com cujo dinheiro Prissípkin e o amigo Baian, autodidata e ex-proprietário, preparam um casamento “vermelho”.
A companheira Zoia tenta o suicídio e, no alojamento, os operários expulsam o “ noivo” que rompe com sua classe de maneira barulhenta. Um incêndio extermina todos os personagens. Entre os cadáveres nota-se a falta de um que, pelo visto, fora consumido pelo fogo. Mas não é isso que aconteceu.
Num surpreendente achado ( cujos efeitos, na peça original eram potenciados pela direção de Meyerhold, pela cenografia de Ródchenko e pela música de Shostakóvitch), Prissípkin é encontrado, cinqüenta anos depois, em 1979, congelado e intacto, numa tina d’ água dos bombeiros. Uma votação coletiva decide ressuscitá-lo. Junto com ele ressuscita um belo e corpulento percevejo: o Percevejus normalis.
Uma estranha epidemia grassa na cidade, como conseqüência da necessidade de se produzir “cerveja” para aliviar Prissípkin, acostumado que estava a uma vida embebida de vodka.
A criatura descongelada não se adéqua à nova época, Seu desespero só é mitigado pela leitura de um anúncio do Zoológico que procura um ser de aparência humana para receber picadas e manter vivo um inseto recém-adquirido.
A cidade acorre ao Zoológico. Duas jaulas novas são expostas: uma do Percevejus normalis, a outra do Philistaeus vulgaris, Prissípkin, que por pouco não fora tomado por um Homo sapiens.
A cena final, como diz o posfácio, é o momento do discurso patético do Philistaeus em que a farsa se transforma em tragédia, prenunciando, de certa forma, o trágico fim do próprio Maiakóvski.

Nepotismo, corrupção, mesquinhez, burocracia, rede de ligações suspeitas “necessárias”, acomodação, abafação : à exposição de tudo isso , ao “ amontoado de fatos pequeno-burgueses”, ao “problema”, enfim, Maiakóvski chama, de “ o desmascaramento da burguesia atual”.

E o melhor meio para tanto viria a ser para ele a dramaturgia: “Agora passarei totalmente a me dedicar a peças, fazer versos ficou muito fácil”, reporta Mikháilov , sendo que “ a principal dificuldade é traduzir os fatos para a linguagem teatral da ação e do encantamento”, dizia Maiakóvski em 1928, ao preparar a apresentação de “O percevejo”.

Na verdade, conforme informa nota sobre a peça retirada das “Obras Escolhidas” do autor ( Moscou, 1949), nas quais também consta a apresentação feita por Maiakóvski (traduzida na presente edição) , “O percevejo” é uma retomada de outra peça, “Esqueça a lareira”, de 1927-28, que se destinava ao Sovkino de Leningrado. Nela sente-se a forte influência de seu trabalho jornalístico, em particular, no “Komsomólskaia Pravda”, algumas de cujas manchetes aparecem na peça, junto com trechos de seus poemas anteriores. Só que o personagem Prissípkin, comum às duas obras, que Maiakóvski pretendia apresentar ao público como tipo negativo – diz novamente Boris Schnaiderman no posfácio – “com o desenrolar da ação, assume a envergadura de uma grande figura trágica. Tal como no caso de “Os demônios” de Dostoiévski, o autor tinha em mente determinado fim didático e político, mas a obra foi mais longe e superou em muito o projeto inicial.”

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